segunda-feira, 22 de novembro de 2010

LUTAS SOCIAIS: Em algum lugar esquecido*

Seis anos do massacre de Felisburgo


Sobre uma terra generosa, abaixo de uma lua tão grande quanto o sonho camponês, surge um acampamento de trabalhadores rurais sem terra, uma aldeia, um quilombo, a reserva moral da classe trabalhadora. Esquecidos pelo Estado das elites, combatido pelos coronéis da região, eles e elas resistem. De fato é uma terra distante. Foi preciso o sacrifício de cinco trabalhadores em 20 de novembro de 2004 para que Felisburgo torna-se uma memória viva e triste, antes a morte caminhava silenciosa por aquelas serras.
    A situação de impunidade alimenta o medo, em Felisburgo é possível ver alguns dos assassinos reunidos na esquina do quarteirão onde mora uma das viúvas dos que caíram no massacre. Eles insultam e caminham com liberdade e com a certeza que não há lei para os que cumprem os desejos da elite. A Polícia Militar possui um efetivo invencível de quatro soldados e uma viatura; medrosos e aliados a política dominante não possui capacidade nem vontade de reprimir as ameaças realizadas contra os acampados. Em reunião com o Capitão Freire (Responsável pelo policiamento na região),foi colocada a informação que um trabalhador viu dentro da caminhonete de um dos irmãos de Adriano Chafik um arsenal, o capitão se resumiu a dizer que os trabalhadores deveriam reunir mais provas, de preferência fotografias e filmagens para instruir as denúncias. Não é sabido, com sinceridade, em qual planeta habita o oficial da PM, seria pouco comum que os trabalhadores rurais acampados em uma região sem energia elétrica, sem transporte coletivo, sem telefonia, sem o mínimo, andassem agora com filmadoras e máquinas fotográficas, arriscando suas vidas, para reunir provas que o Estado tem o dever de fazer. Nem o surrealismo foi capaz de tamanho devaneio.
    Um dos coordenadores do acampamento, o bravo companheiro Jorge, hoje encontra-se jurado de morte. Caminha todos os dias 12 km para encontrar com sua família que está acampada em outra fazenda. Pela manhã e a noite este homem desafia a sorte com passos largos e firmes rumo ao seu compromisso. Esse militante que durante a longa caminhada até sua casa  contou sua vida e seus medos, explicando as belezas e perigos de cada curva da estrada. Esquecido pela justiça, mais um herói anônimo de nosso povo.
    O Acampamento Terra Prometida impressiona pela organização: limpo, mobilizado e rebelde como deve ser um acampamento do MST. Uma escola foi instalada dentro da ocupação graças à luta destas pessoas que ocuparam a prefeitura por quatro dias e desafiaram o poder dos coronéis, o prefeito não teve outra opção e acatou á força as exigências dos trabalhadores e trabalhadoras. Produção coletiva nas lavouras, núcleos de famílias organizados, sistema agroecológico de manejo, mística e luta. Estes são pilares da vida no acampamento. Os esforços coletivos desafiam a ameaças de morte, a insegurança e o descaso dos poderes públicos.
    Visitamos as viúvas dos mártires, quatro delas estão morando em casebres miseráveis na cidade, convivendo com o preconceito das pessoas que ainda não entendem a grandeza da luta pela Reforma Agrária. São pessoas tristes que vivem sem esperança de conseguir justiça para seus mortos. Outra viúva ainda continua no acampamento, mulher forte e rara, mistura tristeza, rebeldia e luta. Seu sonho e que seus filhos não tenham o mesmo destino de seu marido.
    Deixamos com pesar aquele acampamento onde homens e mulheres sobrevivem em uma terra rude, onde as cercas cercam os corpos e as almas, onde nas sombras da estrada residem o perigo, o fogo inimigo. Contudo no meio de tanto medo, as crianças continuam nascendo em crescendo, as flores continuam crescendo e cada dia desperta com uma nova esperança.

*Texto adaptado do relatório da visita de Gilberto Ferreira e Pedro Otoni, realizada no acampamento Terra Prometida em 2006. Atualmente, a fazenda ocupada foi desapropriada, mas os mandantes do massacre ainda continuam impunes.

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